quando o nosso ar é arte..... ...inspiramos e entramos em mundos paralelos

segunda-feira, 11 de junho de 2007

murder with a smell of cinnamon

Todos os anos no dia do seu aniversário a mãe repetia-lhe a história do dia do seu nascimento.
Num dia de sol radioso, os trovoes romperam os céus, e ela nasceu.
Nasceu de olhos abertos, e só os fechou para descansar muitas horas depois.

A primeira recordação que tem é do cheiro a canela. Cheiro de festa, cheiro de casa cheia de gente.
A segunda recordação que tem, é dos tempos infinitos em que brincava nos jardins da casa, sozinha, com suas bonecas, terra e plantas.

Sempre sozinha. Só conhecia adultos, a família e os empregados. Brincava sozinha, comia sozinha, adormecia sozinha, sempre sozinha. Os pais raramente estavam em casa, e aquele era o seu mundo, só dela.
Fazendo escavações na terra para encontrar minhocas para os pássaros, olhou para cima e viu um anjo.
A sua cabeça irradiava luz, e os cabelos eram tão loiros que quase eram brancos.
Ela perguntou-lhe....
- que anjo és? o que queres de mim?
E ele respondeu-lhe...
- não sou anjo nenhum! sou Sebastian e sou filho de Michal, amigo do teu pai. Mudámos-nos para a vizinhança á pouco, e como aqui não há ninguém disseram-me que podia vir brincar contigo, posso?
Ela arregalou os olhos e disse-lhe...
- brincar comigo? como? há brincadeiras para mais que uma pessoa?
Desde a aparição que se tinham tornado inseparáveis, faziam tudo juntos, pensavam da mesma maneira e queriam as mesmas coisas.
Cresceram num mundo só deles, e que ela pensava que iria durar para sempre.
Quando ele fez 10 anos foi mandado para um colégio interno, e ela seguiu-lhe o caminho um ano a seguir.
Viam-se sempre que podiam. As cartas eram diárias. Nas férias voltavam á vida que sempre tinham conhecido e que haviam jurar eternizar.
Entraram na universidade, e no último ano, quando ela pensava em casamento, ele começou a reduzir o número das cartas.
Um dia contaram-lhe, ele tinha-se apaixonado por uma loira espampanante, de origem sueca.
Tinha saído das aulas um dia ao fim da tarde, pegara na loira Ula e tinha-se casado.
Ela achou que ia acordar a qualquer segundo, que o pesadelo já durava há minutos a mais.
Mas nada daquilo desaparecia. O improvável, o nunca imaginado, o nunca previsto tinha acontecido. Ele esquecera-se dela. A raiva invadiu-lhe o cérebro, e a imagem da pistola que ele guardava no seu quarto da quinta, vinha-lhe á cabeça cada vez mais nitidamente.
A vida dela tinha acabado naquele momento, a ele iria acontecer o mesmo.
Soube que o casal tinha ido para Londres, e depois de um desvio pela quinta dele, foi correndo os hotéis da cidade até os encontrar. Vi-o sair do hotel para comprar cigarros e voltar.
Segui-o. Anotou o número do quarto de hotel, foi para a rua e esperou que saísse de novo.
Passadas uma horas ele saiu. Ela entrou no hotel á socapa. Rodou a porta do quarto, e surpreendentemente estava aberta. Entrou. E lá estava ela, a outra, a cabra. De cabelos loiros espalhados na almofada, quase tão loiros como os dele. Estendia-se nua pelos lençóis de cetim beije.
Olhou-a e tentou perceber o porquê, porque teria sido que ele se tinha apaixonado perdidamente por aquela mulher. O porquê e a falta de resposta tirava-lhe o ar e a razão.
Abriu a mala, e tirou a pistola.


As mãos tremiam-lhe, com as duas fez pontaria.
A raiva era maior que o medo, e disparou sem remorsos.

Virou-se e não olhou mais para trás.

Enrolou a pistola numa encharpe que estava caída no chão do quarto,

e abandonou-a num caixote do lixo perto do hotel.

Foram escandalosas, as noticias saídas nos jornais no dia seguinte.

Ela, que tinha voltado discretamente para o colégio,

fez-se de admirada e chocada.

A investigação criminal demorou meses a fio.

Todas as pessoas relacionadas com ele foram interrogadas,

incluindo ela.

Ele estava de rastos,

perdera a mulher da sua vida e era suspeito da sua morte.

Procurava apoio e carinho na sua amiga de sempre,

ela com uma calma suave recebia-o de braços abertos.

As investigações concluíram que teria sido ela,

a homicida.

Ela estava descansada,

sabia que eles não tinham como provar a sua ligação com o

homicídio.

Fez-se de vitima injustiçada, e teatralmente jurou dizer a verdade.

Foi interrogada pelo Juiz e pelos advogados.

Foi feita a reconstituição do dia em questão.

E três testemunhas afirmaram que ela teria ido para o quarto

estudar e não teria voltado a sair até ao dia seguinte.

Tudo parecia a estar a correr como o previsto.

No meio das testemunhas da acusação,

surge o testemunho de uma estranho cheiro de canela,

no quarto onde teria ocorrido o crime.

Os empregados dela,

que se encontravam na audiência,

comentaram de imediato que só podia ser o perfume dela.

O perfume de aroma a canela, que ela tanto pedira,

e que foi mandado fazer em Paris, só para ela, nunca tendo sido

vendido a qualquer outra pessoa.

O Advogado da acusação ouviu o comentário,

e tudo mudou.

Finalmente o Juiz deu o veredicto. Culpada.

Enquanto as palavras eram ditas muito ao longe, chegando aos seu

ouvidos distorcidas, olhava para ele.

Tinha achado que a sua vida acabara quando soubera do casamento

dele,

mas pior do que essa morte sentida,

foi sentir o olhar de desilusão dele.

Renegou-a com olha a partir daquele momento,

e não mais voltou a ver o seu olhar.

Ela morreu mais uma vez, entregou-se ao desespero.

Chorou lágrimas de dor, o sal tapava-lhe os poros da cara.

Jamais o mundo voltaria a ser o mesmo...

*** arte: fotografias de E.Recuenco, um dos melhores fotógrafos espanhóis da actualidade, o encenador da fotografia***

11 comentários:

Haddock disse...

excelente fotografia!!

e tudo faz lembrar os filmes da década de 50 (ou até de 40), embora o enredo não tenha idade.

canela... acho um desperdício oferecerem pauzinhos de canela para mexer o café! desperdício é pouco; acho escandaloso!
que mal há na colher? o saber nem sequer se nota no café!!

Haddock disse...

rectius:
"o sabor"...

(ficas com mais uma esmolinha, à custa do "e"...).

maggie t disse...

sim, muito 50´s pós guerra in England. me like it! muito agatha christie, em maus claro, que o enredo não lhe chega á ponta das unhas dos pés.
A canela não se sente no café?
nãoooooo?
sente sente....
Amo canela!!!!

maggie t disse...

não gostas? o saborzinho a canela não te tira do sério?

Haddock disse...

não tira, não. e acho um desperdício ecológico!!

(eu também gosto de canela)

maggie t disse...

desperdicio ecológio?! nunca tinha pensado nisso. será que não podes moer depois os pauzinhos e fazer canela em pó? será que os resutaurantes e cafés não mandam os pauzinhos para as oficinas de artes e lavoures para as senhoras fazerem quadrinhos para venderem na messe?
será que o pauzinho de canela não é biodegradável? será?

Haddock disse...

agora já estás a ver, não estás??
pronto, já conquistei mais uma simpatizante do "movimento contra os pauzinhos de canela para mexer a bica"!!

intruso disse...

mistério a preto e branco
com aroma a canela

:)

[hum... a canela...]

Haddock disse...

eu... eu... eu tenho direito a link??? fiquei gago!! e muito agradecido, também!!

maggie t disse...

intruso:
nham nham canela sabor bom e cheirinho ainda mais delicioso...

haddock:
mas é claro capitão, only the top of the tops!

Miguel disse...

Obrigado, gostei muito disso.

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